Muito se escreve e
se diz sobre o traje, mas nem tudo o que é proferido tem fundamento na Tradição
Académica. A abolição da obrigatoriedade do uso do traje e o período pós-crise académica de 1969 parecem ter contribuido para a invenção de inúmeras “regras”
e “tradições” que nunca existiram, tendo muitos
destes mitos surgido nos anos 80!
OS CALOIROS PODEM TRAJAR?
Como já foi abordado
no texto anterior sobre o Traje, o caloiro tem o direito de trajar, direito
esse automático e concedido meramente pela sua entrada na faculdade.[1][2]
O Traje não é da Praxe e nenhum organismo praxístico pode decidir quem pode ou
não trajar.
SÓ POSSO TRAÇAR A CAPA, PELA PRIMEIRA VEZ, NA
SERENATA?
Não. As
cerimónias apelidadas de “traçar da capa” surgiram recentemente, muitas delas
tendo menos de 15 anos de existência.[1] Na realidade estas “cerimónias” são uma deturpação de
algo historicamente costumeiro: a imposição e baptismo da capa (mesmo depois
de usada). O baptismo/imposição da capa
era algo meramente simbólico,
realizado pelo padrinho.[1] “Havia
em Coimbra a tradição dos padrinhos dos caloiros lhes “baptizarem” a capa e o
gorro, atirando-os ao chão, pisando-os e salpicando-os com gotas de vinho,
costume que ainda se pratica na década de 1980”(António Nunes).[1][3]
A capa pode ser
traçada pelo caloiro ou por qualquer outra pessoa que ele escolher, quando ele
quiser. Não há qualquer mal em traçar pela primeira vez na Serenata Monumental!
Simplesmente não se pode alegar a existência de uma norma ou tradição, nem tornar
isto obrigatório!
TENHO DE TRAÇAR A CAPA PARA PRAXAR?
Não.[1]
Sabemos que isto pode ser uma novidade para muitos, uma vez que vários códigos
de Praxe preconizam uma suposta “obrigatoriedade” em função de diversos
motivos. No entanto, secundum Praxis há apenas 2 momentos em que é obrigatório
traçar a capa: na Serenata Monumental e em Trupe. [4] De resto, a
capa traça-se quando bem se entender exceptuando em momentos solenes (capa
descaída sobre os ombros) ou em períodos de luto.[4] Ou seja, dizer que é obrigatório traçar a capa
para praxar não tem qualquer fundamento na Tradição Académica nem é suportado
pela Praxe.
A Praxe não dita
que se tenha de traçar a capa para praxar! Afirmar o contrário é de certo modo ignorar
a Praxe e tentarmo-nos sobrepor a ela.
SE ALGUÉM MAIS VELHO ESTIVER DE CAPA TRAÇADA
TAMBÉM A TENHO DE TRAÇAR? E SE ELE MANDAR?
Não. Se alguém vos
exigir que tracem a capa sem ser quando a Praxe assim o preconiza, deverão
questionar o porquê. A partir daí agem consoante a vossa consciência e espirito
crítico.
PODE-SE VER O BRANCO DA CAMISA?
Sim! Aliás,
quando trajados a rigor (momentos formais) as mangas devem estar abotoadas, tal
como se estivessemos a usar um fato, secundum praxis (é uma regra de boa
etiqueta).[4]
De resto, as
mangas arregaçam-se quando quisermos.[4] Aliás, há inúmeras
fotografias antigas em que os estudantes se apresentam de capa traçada e de
colarinho à mostra, conjuntamente com as mangas da sua camisa.[vede 4]
QUAL É O PROPÓSITO DA COLHER NA GRAVATA?
O uso da colher na gravata não é Praxe e não tem qualquer fundamento na
tradição académica.[5]
Nunca se usou qualquer colher no traje estudantil, aliás apenas a partir da
2ª metade do séc. XIX é que os tunos espanhóis usavam colheres de madeira (1 ou
2) no seu bicórneo (algo que caiu em desuso generalizado a partir da década de
1920).[5]
Em Portugal não há qualquer tradição de uso de colheres na gravata.[5]
Ainda para mais colheres roubadas, como muitos códigos estipulam. Promover o
roubo num código de praxe é um atentado à Praxe e à Lei Portuguesa. A Praxe respeita acima de tudo a Lei Portuguesa.
Em Praxe temos a colher
enquanto insígnia de Praxe e nada mais.
É VERDADE QUE NÃO SE PODE LAVAR A CAPA?
Não, de todo!
No tempo em que o
traje era a indumentária diária do estudante (quando o uso era obrigatório) era
natural que ele se sujasse e rompesse com o uso intensivo, e os estudantes que
não tinham posses não podiam pagar outro traje.[6]
No entanto, o uso
do traje aprumado e limpo era obrigatório!!! Não existem registos de estudantes
com trajes imundos, porque o aprumo era uma obrigatoriedade.[6] Portantom
não existe qualquer fundamento histórico para não se lavar o traje ou a capa,
antes pelo contrário!
Edital de 25/04/1862: "qualquer estudante que for encontrado em público com vestido talar
académico, sem ser limpo e decente, como ordena o art.º 27 do Regulamento da
Polícia Académica de 25 de Novembro de 1839, será recolhido à casa de detenção
académica pelso empregados da Polícia Académica que o encontrarem, ou dele
tiverem notícia, dando-me logo parte de assim o terem praticado".[6]
Não existe qualquer regra que determine quantos
metros nos podemos afastar da nossa capa.[4] Aqui impera o bom senso.
Se eu não quero perder a capa nem quero que seja roubada então é boa ideia não
a deixar fora de vista (preferível seria não a abandonar).
POSSO
ESTAR DE CAMISA, SEM A BATINA/CASACO VESTIDO QUANDO ESTOU TRAJADO?
É imperativo estar correctamente trajado nas
actividades em que, por tradição, o estudante se deve apresentar rigorosamente
uniformizado.[4] De resto, impera apenas o dever moral e o nosso
brio pessoal, e o desejo de dignificar o traje que vestimos e que representa
todos os estudantes.[4]
Ou seja, se estiverem a almoçar num café obviamente
que não têm de estar de casaco vestido! Mas se forem participar no gozo ao
caloiro, numa cerimónia solene, numa Serenata Monumental, entre outros, é
óbvio que terão de estar correctamente trajados.
POSSO USAR ANÉIS DE COMPROMISSO COM O TRAJE?
Sim. Não há
qualquer impeditivo histórico nem fundamento suportado pela Tradição Académica.
Aliás, acima de tudo somos namorados(as) ou casados(as).
POSSO USAR RELÓGIO DE PULSO COM O TRAJE?
Sim. A proibição
do uso de relógios de pulso promovida por diversos códigos é na realidade um
equívoco.[7]
O relógio de
pulso surge na 2ª metade do séc. XIX[7], tendo-se popularizado não
só por ser moda mas também por ser prático e barato, ao contrário dos relógios
de bolso. Dizer que era comum os estudantes usarem relógios de bolso é falacioso,
precisamente porque muitos não os podiam pagar, tendo sido usado até à década
de 40-50.[7]
A proibição
nasceu apenas na década de 80-90 do século passado, por mero equívoco.[7]
Ou seja, secundum praxis não há nada que impeça o uso do relógio de pulso.
SÓ HÁ NÚMEROS ÍMPARES EM PRAXE?
Este é um mito
que surgiu na “era dos mitos”, as décadas de 80-90.[8] Antes dos anos
90 não há nada que indique que isto é Tradição.[8] Não é Tradição
nem é Praxe.[8]
A maioria das
explicações dadas é baseada numa analepse.[8] Justificam-no com motivos
religiosos, como o simbolismo do número 3 e do 7 no catolicismo.[8] No
entanto, a própria religião está repleta de números pares: 12 apóstolos, 10
Mandamentos, 40 dias, etc.
Aliás, não faz
qualquer sentido recorrer a justificações de ordem religiosa quando o próprio
traje académico foi resultado de uma demarcação da Igreja, tendo-se passado de um
corte talar para um modelo burguês e sobretudo laico. Seria incongruente se os
anti-clericais usassem um Traje com protocolo baseado em simbologias cristãs.[8]
Se pensarmos bem,
se o casaco tiver 3 botões e 3 casas, vamos formar 3 pares, usamos um par de sapatos e até o “Dura Praxis Sed Praxis”
tem 4 palavras![8]
Assim sendo, os
números pares têm tanta legitimidade como os ímpares, não havendo qualquer
regra ou fundamento histórico que suporte a sua distinção.
in Identidade(s) e moda, Percursos contemporâneos da capa e batina e da
sinsígnias dos conimbricenses. Bubok, 2013, p.73, nota n.º
237. [3]