quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Os Mitos do Traje


Muito se escreve e se diz sobre o traje, mas nem tudo o que é proferido tem fundamento na Tradição Académica. A abolição da obrigatoriedade do uso do traje e o período pós-crise académica de 1969 parecem ter contribuido para a invenção de inúmeras “regras” e “tradições” que nunca existiram, tendo muitos destes mitos surgido nos anos 80!
OS CALOIROS PODEM TRAJAR?
Como já foi abordado no texto anterior sobre o Traje, o caloiro tem o direito de trajar, direito esse automático e concedido meramente pela sua entrada na faculdade.[1][2] O Traje não é da Praxe e nenhum organismo praxístico pode decidir quem pode ou não trajar.
SÓ POSSO TRAÇAR A CAPA, PELA PRIMEIRA VEZ, NA SERENATA?
Não. As cerimónias apelidadas de “traçar da capa” surgiram recentemente, muitas delas tendo menos de 15 anos de existência.[1] Na realidade estas “cerimónias” são uma deturpação de algo historicamente costumeiro: a imposição e baptismo da capa (mesmo depois de usada). O baptismo/imposição da capa era algo meramente simbólico, realizado pelo padrinho.[1] “Havia em Coimbra a tradição dos padrinhos dos caloiros lhes “baptizarem” a capa e o gorro, atirando-os ao chão, pisando-os e salpicando-os com gotas de vinho, costume que ainda se pratica na década de 1980”(António Nunes).[1][3]
A capa pode ser traçada pelo caloiro ou por qualquer outra pessoa que ele escolher, quando ele quiser. Não há qualquer mal em traçar pela primeira vez na Serenata Monumental! Simplesmente não se pode alegar a existência de uma norma ou tradição, nem tornar isto obrigatório!
TENHO DE TRAÇAR A CAPA PARA PRAXAR?
Não.[1] Sabemos que isto pode ser uma novidade para muitos, uma vez que vários códigos de Praxe preconizam uma suposta “obrigatoriedade” em função de diversos motivos. No entanto, secundum Praxis há apenas 2 momentos em que é obrigatório traçar a capa: na Serenata Monumental e em Trupe. [4] De resto, a capa traça-se quando bem se entender exceptuando em momentos solenes (capa descaída sobre os ombros) ou em períodos de luto.[4]  Ou seja, dizer que é obrigatório traçar a capa para praxar não tem qualquer fundamento na Tradição Académica nem é suportado pela Praxe.
A Praxe não dita que se tenha de traçar a capa para praxar! Afirmar o contrário é de certo modo ignorar a Praxe e tentarmo-nos sobrepor a ela.
SE ALGUÉM MAIS VELHO ESTIVER DE CAPA TRAÇADA TAMBÉM A TENHO DE TRAÇAR? E SE ELE MANDAR?
Não. Se alguém vos exigir que tracem a capa sem ser quando a Praxe assim o preconiza, deverão questionar o porquê. A partir daí agem consoante a vossa consciência e espirito crítico.
PODE-SE VER O BRANCO DA CAMISA?
Sim! Aliás, quando trajados a rigor (momentos formais) as mangas devem estar abotoadas, tal como se estivessemos a usar um fato, secundum praxis (é uma regra de boa etiqueta).[4]
De resto, as mangas arregaçam-se quando quisermos.[4] Aliás, há inúmeras fotografias antigas em que os estudantes se apresentam de capa traçada e de colarinho à mostra, conjuntamente com as mangas da sua camisa.[vede 4]
QUAL É O PROPÓSITO DA COLHER NA GRAVATA?
O uso da colher na gravata não é Praxe e não tem qualquer fundamento na tradição académica.[5]
Nunca se usou qualquer colher no traje estudantil, aliás apenas a partir da 2ª metade do séc. XIX é que os tunos espanhóis usavam colheres de madeira (1 ou 2) no seu bicórneo (algo que caiu em desuso generalizado a partir da década de 1920).[5]
Em Portugal não há qualquer tradição de uso de colheres na gravata.[5] Ainda para mais colheres roubadas, como muitos códigos estipulam. Promover o roubo num código de praxe é um atentado à Praxe e à Lei Portuguesa. A Praxe respeita acima de tudo a Lei Portuguesa.
Em Praxe temos a colher enquanto insígnia de Praxe e nada mais.
É VERDADE QUE NÃO SE PODE LAVAR A CAPA?
Não, de todo!
No tempo em que o traje era a indumentária diária do estudante (quando o uso era obrigatório) era natural que ele se sujasse e rompesse com o uso intensivo, e os estudantes que não tinham posses não podiam pagar outro traje.[6]
No entanto, o uso do traje aprumado e limpo era obrigatório!!! Não existem registos de estudantes com trajes imundos, porque o aprumo era uma obrigatoriedade.[6] Portantom não existe qualquer fundamento histórico para não se lavar o traje ou a capa, antes pelo contrário!
Edital de 25/04/1862: "qualquer estudante que for encontrado em público com vestido talar académico, sem ser limpo e decente, como ordena o art.º 27 do Regulamento da Polícia Académica de 25 de Novembro de 1839, será recolhido à casa de detenção académica pelso empregados da Polícia Académica que o encontrarem, ou dele tiverem notícia, dando-me logo parte de assim o terem praticado".[6]


SÓ POSSO ESTAR AFASTADO DA CAPA X METROS?
Não existe qualquer regra que determine quantos metros nos podemos afastar da nossa capa.[4] Aqui impera o bom senso. Se eu não quero perder a capa nem quero que seja roubada então é boa ideia não a deixar fora de vista (preferível seria não a abandonar).

POSSO ESTAR DE CAMISA, SEM A BATINA/CASACO VESTIDO QUANDO ESTOU TRAJADO?
É imperativo estar correctamente trajado nas actividades em que, por tradição, o estudante se deve apresentar rigorosamente uniformizado.[4] De resto, impera apenas o dever moral e o nosso brio pessoal, e o desejo de dignificar o traje que vestimos e que representa todos os estudantes.[4]
Ou seja, se estiverem a almoçar num café obviamente que não têm de estar de casaco vestido! Mas se forem participar no gozo ao caloiro, numa cerimónia solene, numa Serenata Monumental, entre outros, é óbvio que terão de estar correctamente trajados.

POSSO USAR ANÉIS DE COMPROMISSO COM O TRAJE?
Sim. Não há qualquer impeditivo histórico nem fundamento suportado pela Tradição Académica. Aliás, acima de tudo somos namorados(as) ou casados(as).
POSSO USAR RELÓGIO DE PULSO COM O TRAJE?
Sim. A proibição do uso de relógios de pulso promovida por diversos códigos é na realidade um equívoco.[7]
O relógio de pulso surge na 2ª metade do séc. XIX[7], tendo-se popularizado não só por ser moda mas também por ser prático e barato, ao contrário dos relógios de bolso. Dizer que era comum os estudantes usarem relógios de bolso é falacioso, precisamente porque muitos não os podiam pagar, tendo sido usado até à década de 40-50.[7]
A proibição nasceu apenas na década de 80-90 do século passado, por mero equívoco.[7] Ou seja, secundum praxis não há nada que impeça o uso do relógio de pulso.
SÓ HÁ NÚMEROS ÍMPARES EM PRAXE?
Este é um mito que surgiu na “era dos mitos”, as décadas de 80-90.[8] Antes dos anos 90 não há nada que indique que isto é Tradição.[8] Não é Tradição nem é Praxe.[8]
A maioria das explicações dadas é baseada numa analepse.[8] Justificam-no com motivos religiosos, como o simbolismo do número 3 e do 7 no catolicismo.[8] No entanto, a própria religião está repleta de números pares: 12 apóstolos, 10 Mandamentos, 40 dias, etc.
Aliás, não faz qualquer sentido recorrer a justificações de ordem religiosa quando o próprio traje académico foi resultado de uma demarcação da Igreja, tendo-se passado de um corte talar para um modelo burguês e sobretudo laico. Seria incongruente se os anti-clericais usassem um Traje com protocolo baseado em simbologias cristãs.[8]
Se pensarmos bem, se o casaco tiver 3 botões e 3 casas, vamos formar 3 pares, usamos um par de sapatos e até o “Dura Praxis Sed Praxis” tem 4 palavras![8]
Assim sendo, os números pares têm tanta legitimidade como os ímpares, não havendo qualquer regra ou fundamento histórico que suporte a sua distinção.



in Identidade(s) e moda, Percursos contemporâneos da capa e batina e da sinsígnias dos conimbricenses. Bubok, 2013, p.73, nota n.º 237. [3]

O Traje – composição e praxis

Caloiro trajado - foto do Notas & Melodias
O traje académico nacional é um uniforme funcional e económico para uso diário (facultativo) de qualquer estudante do ensino superior, do caloiro ao veterano.[1] Aliás, antes da abolição da obrigatoriedade do seu uso em 1910, todos os estudantes universitários eram obrigados a usá-lo para ir às aulas.[2]
O caloiro não tem de trajar pela primeira vez na Serenata.[3] Pode trajar quando bem lhe apetecer. É um direito inerente à sua condição de estudante. O Traje é Traje Académico e não traje praxístico, sendo apenas o uniforme estudantil.[1][2] Defender o contrário é anti-Praxe.[2] 
“Eu, por exemplo, enverguei uma batina no dia em que cheguei a Coimbra, pus-lhe por cima uma capa – e capa e batina foram elas, que me fizeram a formatura!” (In Illo Tempore).[2][4]
Text Box: Traje Académico Feminino:[1]
• Capa preta;
• Casaco preto;
• Saia preta travada;
• Gravata preta;
• Camisa branca;
• Meias pretas (antigamente cor de pele – ver história do traje)
• Sapatos pretos de formato simples;


Text Box: Traje Académico Masculino:[1]
• Capa preta;
• Batina preta de formato não eclesiástico;
• Calças pretas;
• Colete preto (facultativo);
• Gravata preta;
• Camisa branca;
• Meias pretas;
• Sapatos pretos;






Pode ser usado um gorro (facultativo), sem borla ou bico.[1] O uso do colete é opcional.[1]

QUANTO AO USO CORRECTO DO TRAJE ACADÉMICO:
·         Quando se usa a capa pelas costas, esta deverá ter algumas dobras no colarinho[1]. O número de dobras fica ao critério do estudante.[1] Há quem dê consoante o número de matrículas, há quem dê pela faculdade, sendo que vários códigos de praxe abordam esta temática procurando arranjar normas para este tema. No entanto, NÃO há qualquer fundamento para se exigir um qualquer número de dobras. A Praxe nada preconiza relativamente a esta questão. Sois livres de dar as dobras que quiserdes dar;
·         A capa pode e deve ter colchetes no colarinho para apertar em caso de luto![1] (A moda de os retirar é recente e não tem qualquer fundamento histórico. As capas sempre tiveram colchetes);[1]
·         Há 2 alturas em que a capa se tem de traçar obrigatoriamente: Serenata Monumental e Trupes; [5]
·         EM LUTO, a batina deve ter as abas fechadas e a capa deve estar caída pelos ombros (sem dobras) e com os colchetes apertados (caso a capa os tenha).[1]
·         A capa pelas costas SEM DOBRAS usa-se em momentos solenes ou em que se deve mostrar respeito (inclusive numa missa).[1][5]
·         Pode-se usar a capa ao ombro. Também há relatos de outros usos caricatos da capa.[5] O que a Praxe estipula é que na Serenata e em trupes ela esteja traçada e que em momentos solenes se apresente pelas costas sem dobras.[5] De resto é à vontade do estudante (com o devido respeito pela capa...).

RASGÕES NA CAPA:
Podem ser feitos por quem quiserem, o número de vezes que quiserem.[1] No entanto, é fundamental que a capa não fique arruinada e perca a sua função principal: protecção/agasalho[1][5] (contra o frio e chuva). Ademais deverá ser possível traçar a capa em condições![1]

EMBLEMAS:
Cosidos sempre do lado de dentro da capa, não devendo estar visíveis quando a capa estiver traçada ou pelas costas.[1]
A Tradição Académica não estipula nenhum número mínimo, máximo ou obrigatório nem ordem de colocação de emblemas.[6] No entanto, os emblemas, caso o estudante os queira colocar na capa, deverão ser da cidade/país de origem, cidade/país onde cursa, faculdade/instituição frequentada, curso onde está ou esteve, instituições a que pertence dentro do estrito âmbito académico, de países/cidades e instituições visitadas em representação oficial académica.[6] Ou seja, os emblemas deverão pertencer estritamente ao âmbito académico e tradicional.[6]

PINS NA LAPELA:
Têm a sua origem no foro militar, sendo usados pelos estudantes militares que ingressavam nas universidades portuguesas e que usavam o seu uniforme militar, ao invés da capa e batina, sobre o qual usavam uma capa ou gibão.[7]
O seu uso no meio académico foi por cópia destes estudantes, não tendo por base nenhuma tradição regional.[7]
“Por conseguinte a metalurgia de lapela foi uma apropriação/invenção divulgada por alunos que tinham sido militares ou gostavam das cerimónias paramilitares da Mocidade Portuguesa e da Legião Portuguesa.”(A. Nunes)[7]
Secundum praxis e respeitando a tradição, apenas se pode usar 1 pin na lapela.[7] Esse pin deverá ter o logótipo da Instituição ou Faculdade (também pode ser do curso se este tiver no seu desenho o logótipo da Universidade/Instituto).[7]

I n Illo Tempore, Estudantes, lentes e futricas. Livraria Aillaud & Cª. Paris-Lisboa,1902 [4]


terça-feira, 18 de setembro de 2018

Breve História do Traje

Qual a origem e propósito do traje académico? A esta pergunta muitos responderão que a sua origem é eclesiástica e que o seu propósito é tornar todos os estudantes iguais ou quiçá que serve para praxar... Mas será essa a sua história e propósito?

Começamos por esclarecer que nenhuma destas potenciais respostas é verdadeira.

Nos primeiros séculos os trajes estudantis eram marcados pela indumentária religiosa dos clérigos que tinham o exclusivo de cursar Estudos Gerais. [1] Geralmente castanhos e mais tardiamente pretos, já que não eram permitidas cores garridas.[1] Com a abertura da universidade a outras classes sociais houve uma natural evolução do vestuário, permeável a modas, ainda que pautado pela sobriedade e austeridade.[1] O uso de um traje pelos novos estudantes derivou do desejo de não destoar e da necessidade de identificar o foro académico.

Os trajes assumiram e assumem uma função de uniforme, permitindo distinguir os estudantes das restantes profissões.­

No século XVII, era utilizada a loba (espécie de batina eclesiástica sem mangas que chega até ao chão), calção, capa e barrete redondo ou de cantos. [1]

No século XVIII, a loba é "substituída" pela abatina (capa + túnica talar, menos comprida que a dos lentes e mais curta que a capa, mantendo-se o uso dos calções), a que os estudantes chamavam de batina.[1] A partir desta altura os trajes começam a convergir para uma forma de traje académico, ainda permeável a modas.[1] No fim deste século surge o gorro.[1]



No entanto, o traje académico que hoje conhecemos tem as suas origens na aproximação ao traje masculino burguês oitocentista que retirou à capa e à batina a sua feição talar, demarcando-se da similaridade aos trajes religiosos, numa tentativa progressista e anti-clerical iniciada na década de 80 do séc. XIX.[1] É assim fácil de compreender o porquê de ser incorrecto dizer que o traje tem uma origem religiosa. O atual figurino da variante masculina originou-se das transformações implementadas pelos adeptos da Greve Académica de 1907 (sobrecasaca preta desabotoada, lapelas dobradas em V sobre o peito e forradas com cetim preto).[1]

De 1834 a 1910, o uso de capa e batina foi obrigatório no perímetro da Universidade.[1] A 23/10/1910 a obrigatoriedade de uso de traje foi abolida, tornando o seu uso facultativo.[1][2]


Até agora só falámos do traje masculino... e o feminino? Como é que surgiu?

O traje feminino foi criado entre 1914 e 1915, nos liceus de Lisboa e do Porto, respondendo à ausência de uma solução ou invenção por parte das autoridades académicas e estudantis.[3] A sua criação foi espontânea! Na UC, até à década de 1940, as mulheres não tinham participação associativa e cultural.[3]  Viviamos numa sociedade paternalista e muito atrasada em relação aos restantes países europeus.

Aliás, o modelo actual foi imposto por decreto pelo Magnum Conselho Veteranos da Academia de Coimbra, por homens, sem que tenha sido consultada a opinião das mulheres.[3]

“Pouco antes da Queima das Fitas de Maio de 1954, o Magno Conselho de Veteranos da academia de Coimbra (MCVAC), após decisão exclusivamente masculina, deliberou impor por "decretus" o tailleur preto à base de casaco preto curto/saia como traje discente feminino.”[3]

Ademais, originalmente as meias eram cor de pele, só em 1957 por determinação do MCV da Academia de Coimbra é que passaram a pretas, como pode ser lido no código de praxe desse ano.[3]

O traje feminino começou por se basear numa capa e tailleur pretos, sendo que a saia cobria o joelho e as meias, quando eram usadas, eram cor de pele.[1][3] Na altura não usavam gravata.[3]  Pode-se concluir que este modelo foi influenciado pelo uniforme envergado pelos corpos de enfermeiras da marinha dos EUA e em alguns hospitais europes da época.[3]



Então, mas porque é que a cor é preta? Porque não vermelha, azul ou castanha?

Esta é uma boa questão. Já falámos das cores iniciais e da proibição de cores garridas nos trajes que precederam a criação do traje académico. Podemos perguntar-nos porque é que a cor não mudou com a aproximação ao traje burguês oitocentista, mas existem poucas informações disponíveis.

O preto, enquanto cor da abatina (da qual deriva o termo “batina”), representava o desapego do sacerdote relativamente à vida mundana.[4] Claro que não é essa a razão por detrás da cor preta do nosso traje. O preto é uma cor, acima de tudo, prática. Fica bem em qualquer ocasião e suja menos. [4]  É também uma cor que simboliza nobreza, distinção e elegância[4], talvez seja por isso, aliado ao seu pragmatismo, que se manteve como a cor de referência.

Quanto à questão do traje tornar todos os estudantes “iguais”...

O traje surge como uniforme estudantil. Claro que quando se usa um uniforme há uma consequência inevitável que é todos parecerem “iguais”. Isto é consequência, não sendo de todo o objectivo. Aliás, as classes sociais sempre foram passíveis de ser distinguidas. Os estudantes menos abastados usavam muitas vezes trajes com piores tecidos ou mais agastados.

O principal objectivo da institucionalização do traje académico foi o de criar uma diferenciação do corpo universitário da restante sociedade.[4]




http://notasemelodias.blogspot.com/2007/10/notas-de-cor-sobre-capa-e-batina.html [4]

domingo, 16 de setembro de 2018

O que significa ser Anti-Praxe?


A designação de anti-praxe serve, em diversas instituições de ensino superior, para designar os caloiros que não querem participar no gozo ao caloiro. Mas fará sentido apelidar de anti-praxe quem rejeita ser praxado? Afinal, o que é ser anti-praxe?


Como explicado no artigo sobre a Praxe e Tradição Académica, a Praxe é a Lei Académica, ou seja, um conjunto de regras e normas que, entre muitas outras coisas, regulam  o gozo ao caloiro (também regula outros aspectos – vede o artigo mencionado). Também já foi dito que a Praxe e o gozo ao caloiro, apelidado vulgarmente de “praxes”, não são a mesma coisa.

Recusar participar no gozo ao caloiro e ser praxado não é o mesmo que recusar a Praxe.

A título de exemplo, alguém que não queira ser praxado pode continuar a observar as regras de etiqueta quando traja (regras que são da esfera da Praxe). Por exemplo, pode ir à Serenata e estar de capa traçada.

Ser anti-praxe significa rejeitar a Praxe, por completo. Ser contra as actividades desenvolvidas no gozo ao caloiro não é ser contra a Praxe! 

Posso ser proibido de trajar e de participar na Queima ou na Serenata se não for praxado?

Não. Nenhum organismo de Praxe tem o poder de impedir alguém de trajar.[1] O traje académico é um direito de todos os estudantes do ensino superior, sem excepção, seja de que ano for.

Os organismos de Praxe devem orientar e zelar pelo seu correcto uso, aconselhando e corrigindo algum erro no uso do traje,[1] mas não podem fazer muito mais que isso. O Traje é o uniforme estudantil, não é da Praxe nem das “praxes”.

De igual modo, a Serenata e a Queima também não são Praxe (como explicado no artigo anterior). São manifestações da Tradição Académica[2] e da cultura estudantil abertas a todos os estudantes do ensino superior, sem excepção. Não são do domínio de organismos praxísticos.

Se não for praxado não me conseguirei integrar?

Nem a Praxe nem o gozo ao caloiro são integração.

As actividades praxísticas podem ter o efeito indirecto de ajudar a integrar, mas não é esse o seu objectivo. Exemplificando, ir às aulas permite-nos conhecer colegas. No entanto, conhecer colegas não é o objectivo das aulas, que é aprender. A integração é algo que ocorre naturalmente quando participamos em qualquer actividade com outras pessoas.

A participação no gozo ao caloiro não garante que façam amigos facilmente, assim como não participar também não garante que não façam amizades.  Passaram no minímo 17/18 anos a fazer amigos sozinhos, sem ser preciso serem praxados.

Anti-abusos

Gostavamos de reforçar que a Praxe deve obedecer à lei Portuguesa. Deste modo, qualquer abuso cometido sobre o âmbito da Praxe, não respeita a Praxe. Dizer que não é Praxe não desculpa nada nem isenta qualquer acto.[3] Abusos e humilhações realizados no âmbito das “praxes” não respeitam a Praxe, nem a lei portuguesa, acabando por levar a que a Praxe seja “culpada” pelas más práticas e desrespeito de que é alvo.

O que podemos esperar da opinião pública quando temos “códigos de praxe” que se apropriam da Praxe para promover práticas vergonhosas e desrespeitosas que em nada são Praxe? E quando promovem o roubo ou humilhação?[3]

Deixamos aberto a reflexão.



Tradição Académica, Praxe e “praxes” – qual a diferença?


 A Praxe é recorrentemente apelidada de “ritual de integração”, confundida com o gozo ao caloiro e definida das mais variadas formas consoante o “Código” de cada instituição... Mas afinal o que é a Praxe?


A Praxe Académica é o conjunto de regras e normas, suportadas na Tradição Académica, que regem as relações entre os estudantes de uma academia, entre estes e a comunidade geral em que se inserem[1]. Essas regras  de etiqueta, de protocolo, de como proceder estando trajado em determinados momentos é o que nós chamamos de Praxe (Lei Académica).[2]

A Praxe como sinónimo de Lei Académica refere-se às regras e normas que regem o modus operandi do estudante no exercício da sua cidadania académica, e não às actividades per se.[2] É ela que dita os limites até onde o gozo ao caloiro pode ir, o protocolo e procedimento a ter num baptismo, as relações hierárquicas inter-pares, as protecções, etc.[2] Ao contrário da lei nacional, a Praxe só se aplica aos que a queiram aceitar (não existe qualquer penalização se a rejeitarem).[1]

Se é verdade que o conceito inicial de Praxe começou por referir-se aos ritos com caloiros e simultaneamente às regras que os enquadram, transmitida oralmente, é também verídico que o termo Praxe ganhou uma nova acepção quando surgiram as primeiras publicações que pretendiam expressar estas normas. [2] Assim, a maneira de proceder com caloiros, a forma de funcionar das trupes, as protecções, etc fundiram-se com o conjunto de normas provenientes do extinto regulamento disciplinar da UC que definia as regras de etiqueta a observar no uso do traje, as sanções aos estudantes prevaricadores, etc. [2]

Qual é a relação entre a Praxe e o Gozo ao Caloiro?


É a Praxe que vai legislar o acto e o âmbito do gozo ao caloiro (vulgarmente apelidado de “praxes”), não sendo portanto sinónimo destas actividades. Há que distinguir entre a legislação e as práticas.[2]

Nenhum código pode conter detalhadamente todas as actividades e situações que se praticam com caloiros durante o gozo.[2] Deve é delinear os limites que permitam saber o que se pode ou não fazer e em que moldes.[2] O mesmo se aplica aos restantes aspectos da vivência do estudante. Não esquecer que a Praxe é obrigada a respeitar a lei portuguesa acima de tudo.

Assim sendo, é fácil compreender que não se deve dizer que vamos à Praxe, mas sim que estamos EM Praxe, e para isso é necessário estar trajado.[1] Vai-se às actividades praxísticas, p.ex.

No entanto, é importante notar que O que se faz DO traje é Praxe, mas o que se faz DE traje não tem forçosamente de o ser”.[2] Se estiverem num concerto trajados, obviamente que o concerto não é Praxe.



Então, o Traje é da Praxe?

Não. O Traje Académico é precisamente académico. É o uniforme estudantil, não pertence à Praxe,[1] e pode ser usado por todos os alunos do ensino superior, sem excepção. O direito a trajar não é definido pela Praxe.

A Praxe estabelece um conjunto de normas sobre como o traje deverá ser usado em determinadas situações, como numa Serenata ou numa cerimónia solene. [2] Trajar não significa ter de se filiar em “praxes” ou participar no que seja.[2]


A Serenata, a Queima, as tunas isso é Praxe?
É claro que além de definir os limites do gozo ao caloiro, a Praxe também vai definir como nos devemos comportar durante a Serenata, p.ex. No entanto, a Serenata não é Praxe. [3]
Na realidade são manifestações da cultura estudantil e da Tradição Académica. [4]
A Praxe apenas prescreve e orienta o estudante no modo de estar e agir nesses eventos. É de Praxe não aplaudir e estar de capa traçada durante a Serenata.[2][4]



Mas o que é a Tradição Académica? É nacional ou cada faculdade tem a sua?


A Tradição Académica é património nacional, historicamente transversal a todo o país.[2] É certo que tem uma matriz coimbrã, no entanto, não pertence exclusivamente a esta cidade. [2]

A tradição é a “pedra basilar”. Tradição não é aquilo que cada faculdade inventou para si.

Cabe à Praxe traduzir a Tradição Académica e cabe ao estudante conhecer a Praxis dos diferentes momentos.



Então se a Praxe é a Lei Académica, porque é que a “Praxe” tem data de início e fim nos códigos? Porque é que fica suspensa em períodos de luto?


Exactamente pela confusão semântica entre Praxe e as “praxes” (na realidade, gozo ao caloiro), perpetuada pelo código de Coimbra de 1957.

Antigamente, os estudantes só deixavam de trajar durante as férias ou quando estavam fora de Coimbra, p.ex. [2] Hoje em dia temos tunas que atuam durante o Verão. Usando o traje seja em que altura for a Praxe aplica-se, ou seja, as regras de etiqueta deverão ser observadas sempre que trajam.





A. Nunes UNES, António M. - As Praxes Académicas de Coimbra, Uma interpelação histórico-antropológica, in blogue "Guitarra de Coimbra (Parte I)", artigo de 19 de Novembro de 2005. [3]







segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Dvra Praxis Sed Praxis – Qual o significado?

“Dura Praxis Sed Praxis” é uma frase comumente proferida em ambiente praxístico e que figura nas insígnias de Praxe das demais instituições de ensino superior portuguesas.
Geralmente traduzida literalmente do latim, “Dvra Praxis Sed Praxis”, para “A Praxe é dura mas é Praxe”, é muitas vezes interpretada erroneamente, nomeadamente no que toca à palavra “dura” associada vulgarmente a um dos seus sentidos mais atribuídos na língua portuguesa: dureza. Serve assim de forma a justificar, equivocadamente, a suposta dureza física e psicológica de algumas actividades praxísticas praticadas nas nossas universidades. 


Mas o que é que esta frase significa verdadeiramente?
Como alguns de vós sabeis, “Dvra Praxis Sed Praxis” advém da expressão “Dvra Lex Sed Lex”, que em português significa “A lei é dura, mas é lei”[1][2]. Novamente, aqui o dura surge não no sentido tradicionalmente atribuído à palavra, mas remetendo-nos para a ideia de que embora possa ser dificil obedecer à lei, todos, sem excepção, o devem fazer, e em todas as circunstâncias, até mesmo quando ela é rígida e rigorosa. [3]


Mas de onde é que surgiu?
A expressão em si tem origem no período de introdução das leis escritas na Roma Antiga, sendo que anteriormente a legislação, transmitida oralmente, sofria diversas alterações por partes dos juízes, que as refaziam de acordo com tradições locais e enviesavam a sua interpretação, podendo favorecer os detentores do poder.[2] Com a introdução das leis escritas, estas passaram a ser iguais para todos os cidadãos, sendo que nem a ignorância desculpava o desrespeito pela lei, Ignorantia legis non excusat, já que se presume que todos os indivíduos da nação conhecem a lei. [4]
A frase Dura Lex Sed Lex originou-se então no século XI como um princípio da lei canônica criada pelo Bispo Buchard of Worms, “Brocard’s law”[5], e representa a “Rule of Law”, que nos diz que a lei deve ser seguida por todos e que ninguém está acima dela, caso contrário um governador tirânico poderia governar com tirania.[4]
No entanto, o uso de Lex (lei criada pelo homem) em vez de Jus (lei da natureza/ordem natural) diz-nos que não é a lei natural que é dura, mas a lei que nós criamos.[4] E como tal, se discordamos do resultado da lei deveremos trabalhar para a mudar em vez de a contrariar e ignorar.[5]


E como é que isto se aplica a nós e ao “Dura Praxis Sed Praxis”?
Na realidade esta frase significa que a Praxe, que corresponde à lei académica (conjunto de regras e normas que regem os protocolos académicos) e não às actividades per se, se quer justa e equitativa para todos os seus participantes, tratando a todos de igual modo [6], sem que qualquer interveniente se possa sobrepôr aos seus desígnios.  Ou seja, não é por um aluno ter 5 matrículas que pode humilhar outrém ou decidir calçar sapatos com brilhantes quando usa o traje ou comportar-se inadequadamente, nem ter mais ou menos dever de cumprir as normas estabelecidas. Nem este “motto” serve de justificação para actividades psicologicamente ou fisicamente duras, antes pelo contrário. 

Aconselhamos uma leitura adicional a quem quiser aprofundar este tema (links abaixo).

[2] (https://pt.wikipedia.org/wiki/Dura_lex,_sed_lex) Franco, Manuela (Março de 2016). «Dura Lex, Sed Lex» (PDF). Lisboa: Instituto Português de Relações Internacionais. Revista Relações Internacionais
[3]( https://pt.wikipedia.org/wiki/Dura_lex,_sed_lex) Pimenta, Rita. (4 de fevereiro de 2018). «Palavras, expressões e algumas irritações: lex». Público

sexta-feira, 10 de agosto de 2018

INFORMATIO

O Dvra Praxis surge como um local de partilha de conhecimento da Tradição Académica e Praxe com a comunidade estudantil e todos os interessados em explorar estes temas.
Trazemos um pouco da nossa história estudantil comum  comprometendo-nos a utilizar fontes fidedignas, que serão referenciadas no fim de cada post.
Queremos que os nossos artigos sejam simples e de fácil leitura, mas ao mesmo tempo informativos, de forma a não tornar a leitura morosa e confusa.