terça-feira, 18 de setembro de 2018

Breve História do Traje

Qual a origem e propósito do traje académico? A esta pergunta muitos responderão que a sua origem é eclesiástica e que o seu propósito é tornar todos os estudantes iguais ou quiçá que serve para praxar... Mas será essa a sua história e propósito?

Começamos por esclarecer que nenhuma destas potenciais respostas é verdadeira.

Nos primeiros séculos os trajes estudantis eram marcados pela indumentária religiosa dos clérigos que tinham o exclusivo de cursar Estudos Gerais. [1] Geralmente castanhos e mais tardiamente pretos, já que não eram permitidas cores garridas.[1] Com a abertura da universidade a outras classes sociais houve uma natural evolução do vestuário, permeável a modas, ainda que pautado pela sobriedade e austeridade.[1] O uso de um traje pelos novos estudantes derivou do desejo de não destoar e da necessidade de identificar o foro académico.

Os trajes assumiram e assumem uma função de uniforme, permitindo distinguir os estudantes das restantes profissões.­

No século XVII, era utilizada a loba (espécie de batina eclesiástica sem mangas que chega até ao chão), calção, capa e barrete redondo ou de cantos. [1]

No século XVIII, a loba é "substituída" pela abatina (capa + túnica talar, menos comprida que a dos lentes e mais curta que a capa, mantendo-se o uso dos calções), a que os estudantes chamavam de batina.[1] A partir desta altura os trajes começam a convergir para uma forma de traje académico, ainda permeável a modas.[1] No fim deste século surge o gorro.[1]



No entanto, o traje académico que hoje conhecemos tem as suas origens na aproximação ao traje masculino burguês oitocentista que retirou à capa e à batina a sua feição talar, demarcando-se da similaridade aos trajes religiosos, numa tentativa progressista e anti-clerical iniciada na década de 80 do séc. XIX.[1] É assim fácil de compreender o porquê de ser incorrecto dizer que o traje tem uma origem religiosa. O atual figurino da variante masculina originou-se das transformações implementadas pelos adeptos da Greve Académica de 1907 (sobrecasaca preta desabotoada, lapelas dobradas em V sobre o peito e forradas com cetim preto).[1]

De 1834 a 1910, o uso de capa e batina foi obrigatório no perímetro da Universidade.[1] A 23/10/1910 a obrigatoriedade de uso de traje foi abolida, tornando o seu uso facultativo.[1][2]


Até agora só falámos do traje masculino... e o feminino? Como é que surgiu?

O traje feminino foi criado entre 1914 e 1915, nos liceus de Lisboa e do Porto, respondendo à ausência de uma solução ou invenção por parte das autoridades académicas e estudantis.[3] A sua criação foi espontânea! Na UC, até à década de 1940, as mulheres não tinham participação associativa e cultural.[3]  Viviamos numa sociedade paternalista e muito atrasada em relação aos restantes países europeus.

Aliás, o modelo actual foi imposto por decreto pelo Magnum Conselho Veteranos da Academia de Coimbra, por homens, sem que tenha sido consultada a opinião das mulheres.[3]

“Pouco antes da Queima das Fitas de Maio de 1954, o Magno Conselho de Veteranos da academia de Coimbra (MCVAC), após decisão exclusivamente masculina, deliberou impor por "decretus" o tailleur preto à base de casaco preto curto/saia como traje discente feminino.”[3]

Ademais, originalmente as meias eram cor de pele, só em 1957 por determinação do MCV da Academia de Coimbra é que passaram a pretas, como pode ser lido no código de praxe desse ano.[3]

O traje feminino começou por se basear numa capa e tailleur pretos, sendo que a saia cobria o joelho e as meias, quando eram usadas, eram cor de pele.[1][3] Na altura não usavam gravata.[3]  Pode-se concluir que este modelo foi influenciado pelo uniforme envergado pelos corpos de enfermeiras da marinha dos EUA e em alguns hospitais europes da época.[3]



Então, mas porque é que a cor é preta? Porque não vermelha, azul ou castanha?

Esta é uma boa questão. Já falámos das cores iniciais e da proibição de cores garridas nos trajes que precederam a criação do traje académico. Podemos perguntar-nos porque é que a cor não mudou com a aproximação ao traje burguês oitocentista, mas existem poucas informações disponíveis.

O preto, enquanto cor da abatina (da qual deriva o termo “batina”), representava o desapego do sacerdote relativamente à vida mundana.[4] Claro que não é essa a razão por detrás da cor preta do nosso traje. O preto é uma cor, acima de tudo, prática. Fica bem em qualquer ocasião e suja menos. [4]  É também uma cor que simboliza nobreza, distinção e elegância[4], talvez seja por isso, aliado ao seu pragmatismo, que se manteve como a cor de referência.

Quanto à questão do traje tornar todos os estudantes “iguais”...

O traje surge como uniforme estudantil. Claro que quando se usa um uniforme há uma consequência inevitável que é todos parecerem “iguais”. Isto é consequência, não sendo de todo o objectivo. Aliás, as classes sociais sempre foram passíveis de ser distinguidas. Os estudantes menos abastados usavam muitas vezes trajes com piores tecidos ou mais agastados.

O principal objectivo da institucionalização do traje académico foi o de criar uma diferenciação do corpo universitário da restante sociedade.[4]




http://notasemelodias.blogspot.com/2007/10/notas-de-cor-sobre-capa-e-batina.html [4]

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